Ainda lembro dos seus cabelos lisos e longos que não se permitiam ser aprisionados. Escorriam com desenvoltura entre meus dedos mesmo diante das muitas tentativas de segurá-los como uma metáfora machista do suposto controle que queria exercer sobre ela. De um lado para outro os lançava charmosamente de modo a disfarçar a sua inquietude tão evidente. Deles sobraram apenas os muitos fios mortos que caíram por todos os cantos e leitos nos quais foram compartilhamos sonhos e momentos de intensa entrega e felicidade.

Ainda habita a minha memória a luz dos teus olhos vívidos que buscavam curiosos novas informações a todo instante. Os mesmos olhos que fixavam em mim a sua atenção como que desnudando a candura da menina tímida e meiga ao afirmar com o seu brilho o amor que sentia. Destes olhos restou somente a frieza dura de alguém que não mais acredita na possibilidade de se entregar livremente a uma experiência afetiva intensa.

Seus lábios… Ah seus lábios. Ainda posso recordar o seu gosto doce e úmido ao tocar delicadamente a minha face em um beijo carinhoso. Lábios que balbuciavam sussurros desconexos e davam passagem a uma respiração ofegante, excitada, em ritmo crescente e inconstante, que terminava num momento de silêncio abrupto e tranqüilizador. A menina cresceu e através dos seus lábios os argumentos firmes de uma pessoa tomada por responsabilidades e cobranças não deixam mais espaço para as conversas amenas de tempos atrás. A sua boca emudeceu para qualquer verso mais íntimo e sentimental.

Ainda sinto a carícia de suas mãos provocando reações de êxtase e delírio indescritíveis. Eram as mesmas mãos que investiam horas para detalhadamente descrever todas as emoções e o afeto que pulsavam em seu peito. Mãos que coloriam e perfumavam cada uma das singelas correspondências que eram aguardadas com ansiedade enlouquecedora. Destas mãos sobrou não mais que a imagem de um aceno sem vida no momento de mais uma despedida.

Ainda estão gravadas em minha minhas lembranças as curvas esculturais do seu corpo juvenil recoberto por uma pele de seda que envolvia suas formas perfeitas e as concedia uma textura aveludada. Ainda guardo memorizados os pequenos sinais negros distribuídos por sua superfície clara que marcavam a sensualidade da fêmea que se descobria um pouco mais a cada dia. A estrutura de garota frágil deu lugar à silhueta de uma mulher resistente com atitude decidida e com uma pequena cicatriz a altura do ventre que registra que a maternidade também já foi experimentada.

Foram muitas as vivências e em maior número as recordações que ficaram. A sua voz ainda fala ao fundo da minha alma como quando se dedicava a declamar as mais espontâneas e comoventes declarações de amor. Perdas e separação aconteceram, é um fato, mas em lugar de uma mágoa triste e profunda resiste incólume a sensação de que cada acontecimento teve a sua razão de ser e que a essência de tudo isto não se esvaiu em sua totalidade. Esta história, com toda certeza, não acabou… ainda…