Já havia percorrido trinta e sete dos quarenta e dois quilômetros daquele que, desde o começo, se mostrava o maior desafio esportivo de toda a minha vida. Frio, calor, altitude, respiração difícil, poeira, muitas subidas, sol à pino e muito mais confirmavam a cada metro que minha percepção não era exagerada. Foi então que escutei o arrasto de pés cansados no terreno pedregoso logo atrás de mim. Em seguida, ví uma sombra no meu encalso. Sem dizer uma única palavra, aquele senhor se aproximou e sincronizou com os meus os seus passos. Seguimos em silêncio, lado a lado, ofegantes, até o posto de hidratação do quilômetro trinta e nove.

Alguns membros da organização e um ou outro atleta sobrevivente compartilhavam a sombra revitalizadora embaixo da pequena tenda. Bebemos água e falamos rapidamente sobre a estratégia para os três quilômetros finais. Por algum motivo, já havia o entendimento mútuo que os percorreríamos juntos. Ele olhou o relógio, disse que precisava completar em até seis horas uma vez que este era seu presente de aniversário de sessenta anos. Faltava pouco tempo, era preciso nos apressarmos então.

Rapidamente voltamos à prova. Ele muito fadigado e eu com a respiração bastante limitada. Sentia meu peito queimar por conta de uma gripe que me perseguia havia duas semanas e que eu, erradamente, não tinha dado a devida atenção. Meu desleixo estava cobrando um preço altíssimo. Acordamos então que alternaríamos momentos de corrida forte, nas descidas e planos, com trotes leves, nas subidas. E assim foi.

Meu GPS não marcava as informações corretas. Uma facilidade ativada de forma incorreta, começava a perceber, alterou todos os dados. Mais uma lição do deserto. Por conta disto, dependia da orientação do meu companheiro, que foi ditando o ritmo e o percurso faltante. Começamos a cruzar com locais e turistas à beira da estrada, todos gritando que já éramos vencedores. Cheguei a dar a mão a alguns deles e as lágrimas apareceram pela primeira vez.

Faltando pouco mais de mil metros, meu pulmão a explodir, diminuí o ritmo e disse para ele seguir. Ele foi, mas logo adiante, após uma curva, estava ele lá me esperando. Entendi que a meta de seis horas passava também a ser minha e engatamos um ritmo forte no quilômetro final.

O ar não ventilava mais meu corpo, o incômodo era grande, mas estava decidido a manter a velocidade até o fim e chegar antes das fatídicas seis horas. Entramos na cidade por uma rua estreita na qual víamos em seu outro extremo o pórtico de chegada. Muitas pessoas começaram a gritar e aplaudir, cruzamos o portal da prova, o locutor falou o nosso nome com entusiasmo e, enfim, cruzamos a linha final.

Dei um abraço naquele senhor de sessenta anos do qual não sabia nem o nome, mas que, aquela altura, parecia tão familiar, o parabenizei e nos separamos. Sentei logo adiante e as lágrimas vieram pela segunda vez.

Imortalizadas estão estas imagens na pequena câmera que levei durante toda a prova. Ja ví este vídeo algumas vezes depois e me sinto presenteado por aqueles momentos. Depois de um desafio tão grande, precedido de tantos meses de esforço e disciplina em treinos, a presença daquele nobre desconhecido ao meu lado foi como para reafirmar a importância de se viver a vida com alegria e intensidade, sempre, buscando cada um a satisfação naquilo que faz sentido pra sí. Desejei muito chegar aos 60 anos daquele jeito, pleno de saúde e planos, realizando aquilo a que se propõe e tenho certeza que Deus há de me conceder mais esta graça.

Desta prova levo muitas lições e uma alegria imensa por ter persistido até o final.

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